Quais elementos conferem uma dimensão política às imagens para além das políticas de representação? Ou como as imagens podem ser políticas sem discursos de denúncia e sem a convocação de espectadores para assumirem uma postura crítica, de indignação ou revolta?
A partir do campo da filosofia política, com foco em Jacques Rancière e suas reflexões sobre arte, estética e política, a proposta desse curso introdutório não é debater sobre imagens políticas, mas sim sobre política das imagens. Para isso, considera-se que: 1) a estética é a base de qualquer exercício político; 2) a política da imagem altera o visível e o pensável através da invenção estética; 3) as imagens não agem fora de si mesmas e não fornecem instrumentos de intervenção em um mundo exterior; 4) a política da imagem tensiona ou reinventa os modelos de cinema político, ativista ou militante, especialmente dentro da tradição de verossimilhança do cinema brasileiro e latino-americano.
Composto por cinco aulas, o curso passeia por reflexões sobre as texturas políticas do cinema brasileiro contemporâneo, seja ele de cunho verossimilhante ou experimental. Além de leituras que relacionam estética e política, as aulas abordarão filmes brasileiros do cenário independente, a exemplo de A Lenda do Galeto Vegano, Na Missão com Kadu, Kbela, A Seita, entre outros.
19, 21, 26 e 28 de outubro; 04 de novembro - segundas e quartas, das 18h às 20h (horário de Brasília)
Carga horária: 10h (5 aulas x 2 horas)
Curso online através da plataforma Zoom. Caso algum aluno perca a aula ao vivo, será disponibilizada a gravação da mesma no dia seguinte.
Público-alvo:
Estudantes de cinema e audiovisual, pesquisadores e demais pessoas interessadas em: pensamento de Jacques Rancière; relações entre estética e política; arte e ativismo; cinema e audiovisual brasileiro contemporâneo; estudos queer e cinemas queer.
Ementa completa:
Aula 1 – Introdução ao pensamento de Jacques Rancière
Os principais conceitos do filósofo, a partir de obras como A noite dos proletários: arquivos do sonho operário (1988), O desentendimento: política e filosofia (1996) e A partilha do sensível: estética e política (2005), entre outras. Serão mobilizados especialmente os seguintes instrumentos teóricos, que relacionam amplamente estética, arte e política: partilha do sensível, política e polícia, igualdade, cena de dissenso e dano, e subjetivação política.
Aula 2 - O conceito de política da imagem para Jacques Rancière
Ênfase no conceito de política da imagem a partir das leituras dos seguintes textos do autor: Os paradoxos da arte política (no livro O Espectador emancipado, de 2008) e Será que a arte resiste a alguma coisa? (no livro Nietzsche Deleuze: arte resistência, de 2007). Reverberações do conceito em relação às imagens cinematográficas.
Aula 3 – Cinema político versus política da imagem?
A política da imagem à luz de filmes brasileiros, focando especialmente em duas questões tangenciais: 1) a valorização da estética da verossimilhança como tradicionalmente definidora de um cinema político; 2) a rasura dessa tradição que é provocada pela inflexão estética de algumas produções contemporâneas que combinam denúncia e invenção formal. Análise dos filmes Na missão com Kadu (Aiano Bemfica, Pedro Maia de Brito, Kadu Freitas, 2016) e Kbela (Yasmin Thayná, 2015).
Aula 4 - A política da imagem e o dandismo
A política da imagem através de filmes que, muitas vezes, não são considerados filmes políticos dentro de uma tradição conceitual hegemônica de cinema político no Brasil. Como exercício reflexivo, a proposta é abordar o dandismo e a política da imagem a partir do curta-metragem A Lenda do Galeto Vegano (Sosha, 2016). Que política o personagem dândi produz através de sua tessitura negra, fashion, artificial e frívola? Como suas imagens produzem um dissenso na tessitura das paisagens consensuais (brancas, sérias, lamentosas e verossimilhantes) do “cinema político brasileiro”?
Aula 5 - A política da imagem e a improdutividade queer
Concluindo o curso, será abordada, de modo experimental, a improdutividade queer e a política da imagem através do filme A Seita (André Antônio, 2015), que também explora a figura de um dândi em dias entediantes, improdutivos e distópicos. No longa, tal repertório político, por um lado, afasta-se dos “sonhos da revolução” e, por outro, se recusa a levar o termo queer ao campo positivo e progressista da luta política. Como esses descaminhos são desenvolvidos menos a partir do eixo representativo (ou das políticas de representação) e mais a partir da política da imagem (um eixo estético exageradamente artificializado)?
Professor:
Dieison Marconi é Pós-doutorando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM - São Paulo), onde integra o grupo de pesquisa em Comunicação, Consumo, Imagem e Experiência. É Doutor em Comunicação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, com período sanduíche realizado na Universidade Complutense de Madrid (UCM), na Espanha, junto ao Grupo de Pesquisa em Gênero, Estética e Cultura Audiovisual (GECA -UCM). É Mestre em Comunicação e Bacharel em Comunicação Social (Jornalismo) pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Como pesquisador, se dedica aos estudos das relações entre imagem, estética, política e audiovisualidades queer.
Bibliografia:
BARBOSA, Antônio. Constelações da frivolidade no cinema brasileiro contemporâneo. Tese (Doutorado em Comunicação e Cultura) - Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.
BARBOSA, Antônio; LOPES, Denilson; FILHO, Ricardo; NEVES, Pedro. Inúteis, frívolos e distantes – à procura dos dândis. Rio de Janeiro: Mauad X, 2019.
CESAR, Amaranta. “Que lugar para a militância no cinema brasileiro contemporâneo? Interpelação, visibilidade e reconhecimento”. Revista Eco Pós, v. 20, n. 2, Rio de Janeiro, p. 101-121, 2017.
DUARTE FILHO, Ricardo. Dândis, drags e bichas pintosas: o camp no cinema queer brasileiro contemporâneo. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.
EDELMAN, Lee. No al futuro: la teoria queer y la pulsión de muerte. Madrid: Egales, 2014.
HUSSAK, Pedro. “Rancière: a política das imagens”. Princípios, v. 19, n. 32, p. 95-107, 2012.
MARQUES, Ângela. “Política da imagem, subjetivação e cenas de dissenso”. Discursos fotográficos, Londrina, v. 10, n. 17, p. 61-86, jul./dez. 2014;
MARQUES, Ângela. “Três bases estéticas e comunicacionais da política: cenas de dissenso, criação do comum e modos de resistência”. Revista Contracampo, v. 26, n. 1, p. 126-145, abril de 2013.
MARQUES, Ângela; MARTINO, Luís Mauro Sá. “Políticas nas Imagens, Imagens Políticas: Uma Ética do Olhar” (cap. 11). In: Mídia, ética e esfera pública. Belo Horizonte: PPGCOM-UFMG, 2016.
MARCONI, Dieison. “Cinema queer brasileiro ou as veias abertas da política da imagem”. REBECA – Revista Brasileira de Estudos em Cinema e Audiovisual (artigo recém aceito para publicação)
PALLAMIN, Vera. “Aspectos da relação entre o estético e o político em Jacques Rancière”. Risco - revista de pesquisa em arquitetura e urbanismo, ECA-USP, v. 10, p. 6-16, 2010.
RANCIÈRE, Jacques. A noite dos proletários: arquivos do sonho operário. Trad. Marilda Pereira. São Paulo: Cia. das Letras, 1988.
RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento: Política e Filosofia. Trad. Ângela Leite Lopes. São Paulo: Ed. 34, 1996.
RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. Trad. Mônica Costa Netto. São Paulo: EXO experimental org.; ed. 34, 2005.
RANCIÈRE, Jacques. “Será que a arte resiste a alguma coisa?” In: LINS, Daniel (org.). Nietzsche Deleuze: arte resistência. Rio de Janeiro/Fortaleza: Forense Universitária, 2007. p. 126-140.
RANCIÈRE, Jacques. O Espectador Emancipado. Trad. J. M. Justo. Lisboa: Orfeu Negro, 2010.
RANCIÈRE, Jacques. “Os paradoxos da arte política” . In: O espectador emancipado. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 51- 81.
Filmografia:
Na missão com Kadu (Aiano Bemfica, Pedro Maia de Brito, Kadu Freitas, 2016);
Kbela (Yasmin Thayná, 2015).
A Lenda do Galeto Vegano (Sosha, 2016)
A Seita (André Antônio, 2015)